sábado, 26 de julho de 2014

Disappear



Troquei os remédios pela terceira vez. Agora são três: dois pela manhã e um para dormir.
Acho que estou passando pelo pior momento da minha vida. Nem quando minha irmã morreu, nem no ápice do meu TA, nunca quis tanto me destruir.
Passei uns quatro ou cinco dias pensando o tempo todo em morrer. Sempre que ficava de cabeça vazia, incontrolavelmente vinha uma cena perfeita. Um plano suicida. Assim como planejar ficar sem comer por 7 dias me aliviava, pensar em morrer também tinha me aliviado nesses últimos tempos. E então aconteceu.
Como uma última e desesperada tentativa de limpar toda a minha sujeira, todos os meus erros e mentiras, tomei laxantes e fiquei um dia inteiro sem comer, como nos velhos tempos. Havia até me esquecido como essa sensação era boa. Penso que sempre fui uma pessoa má. Suja. Por isso buscava tanto me limpar de alguma forma.
Foi incrível, a fraqueza e o gosto de nada na boca. De repente todo o meu passado foi vindo à tona. Todo o meu desmoronamento como ser humano, como tudo. Dizem que antes de morrer vemos nossa vida passar diante de nós. Era a efetivação do meu plano.
Era uma tarde e estava sozinha em casa. Me sentei na mesa da cozinha com meus remédios e fui os destacando e enfileirando, como a Verônica em “Verônica Decide Morrer”. Que clichê. Não sei por quanto tempo fiquei ali. Quando estamos depressivos o tempo passa tão devagar e se arrastando, como se a opção câmera lenta da vida tivesse sido ativada. Minha força vital havia se esvaído por completo. Mal era capaz de levantar o braço do colo para colocar o comprimido na mesa. Minhas mãos tremiam tanto.
Enquanto fazia isso, minha cabeça estava longe. Pensei nas músicas que deveria estudar, nas datas em que precisaria tocar em algum lugar, todas as pendências e coisas por fazer. Lembrei do dentista que tinha marcado para o dia seguinte. Tudo ficaria pra trás em breve. Todos ficariam me esperando.
O que mais havia imaginado deste plano era a parte em que deitaria na cama e fim. O que aconteceria depois? Meus pais chegariam muito tempo depois e me encontrariam. Minha mãe viria me chamar e eu não responderia. Talvez ela desistisse e me deixasse dormir mais. Talvez ela me deixasse dormir até o outro dia. Até perceberem que algo estava errado.
Eu chorava sem parar um segundo.
Meus pais nunca, nunca suspeitariam que eu houvesse me matado. Muito menos com remédios, que eles nem sabem que tomo.
Eu poderia escrever um livro se fosse contar tudo o que pensei naquela tarde. Tudo estava pronto. Meu quarto e meu computador eu havia limpado no dia anterior, e jogado e apagado tudo de suspeito ou criminoso fora. Deixei as caixas de medicamentos junto de um cartão do psiquiatra e em um local onde seriam encontradas.
Era a hora então. Sentei-me à mesa, de frente para a fileira de comprimidos. Nunca senti algo como aquilo, mas era próximo ao que sentimos quando estamos parados no ponto mais alto de um elevador aguardando a queda, que sabemos que será em breve, porém ela nos pega de surpresa, num momento inesperado.
Adivinhem? Desisti. Eu quero acabar com tudo, eu quero fugir de tudo, foda-se que seja uma decisão covarde. Mas quero de uma forma que me livre da culpa e da responsabilidade, como de câncer de pulmão ou de estômago por fumar e beber.
Pensei muito nos meus pais, muito mesmo. Acho que a necessidade de ser a filha perfeita e enchê-los de orgulho nunca me deixará fazer algo assim.
Eu poderia escrever outro livro se fosse contar tudo o que está passando pela minha cabeça agora. Eu quero resolver minha vida e me resolver, e tenho esperanças de sentir-me melhor com tudo. Mas ao mesmo tempo sinto uma indisposição tremenda. É como se duas personas opostas duelassem dentro de mim. E esse é o pior sentimento do mundo. Quero, ao mesmo tempo, coisas impossíveis de ser conciliadas.
Espero algum dia, ser diagnosticada com algum transtorno de personalidade muito severo e incapacitante que justifique todos os meus erros, e que faça emanar das profundezas da terra o perdão por todos que fiz mal enquanto estive viva.
Alguém, por favor, tire um pouco desse peso que está sobre mim. Com toda a intensidade que possa caber na frase: eu não estou aguentando mais.


6 comentários:

Drella disse...

"Eu quero resolver minha vida e me resolver, e tenho esperanças de sentir-me melhor com tudo. Mas ao mesmo tempo sinto uma indisposição tremenda". -> essa persona precisa vencer o duelo e se libertar da indisposição. inspire-se. esqueça o passado, nao tem que pedir desculpas por nada, tudo ja se ajeitou, o planeta nao parou de rodar. Acho que se tirar o peso da culpa já ajuda a se reerguer.
Cuide-se :*

DHAZE disse...

Não sei a gravidade dos seus problemas e nem como fazer você se sentir melhor (já que nem os meus eu consigo encarar) mas uma coisa é certa: você não pode viver assim. Isso não é vida. Não existe felicidade em você. Seu estado de espírito é tão negro quanto seus pensamentos e, quase como um espelho, tudo que você faz é reflexo disso. Procure alguém. Procure ajuda. Mas, antes tudo, queira se ajudar. Escolha a 'persona' que quer viver. Que quer vencer! Você tem tanto potencial pra ser o que você quiser que, caramba!, sua vida pode ter infinitas possibilidades de concretização (e todas elas maravilhosas!). Você não é inferior a NINGUÉM, entendeu? Não há NADA nesse mundo que possa ser conquistado que você não seja capaz de conseguir. Acredite em si mesma; você não é suja, ou impura, ou desmerecedora do amor, da felicidade, da paz de espírito. Ache alguém em quem confiar e busque ajuda! Ajuda pra controlar o que há em você e te impede de viver porquê, meu amor, isso não é estar viva.

Marcy! disse...

Chorei lendo isso.
Chorei porque sinto o mesmo e porque não sei o que te dizer.

menina disse...

Mais um texto seu que mexeu demais comigo. Li umas três vezes, chorando mais em cada uma delas. Faz uns dois meses eu também tive essa sensação. Desloguei de todas as contas no computador. Decidi que meu blog ficaria perdido no limbo junto com outros blogs abandonados de garotas com TA. Fiz tudo e na última hora, com os comprimidos na mão, liguei pro meu melhor amigo e pedi um motivo pra eu não morrer naquele instante. Na verdade eu queria mesmo era uma corda onde me segurar. Alguém pra irromper no meu quarto gritando pra eu não fazer aquilo. Eu não queria me matar. Só queria morrer. Sem culpa, sem riscos de falhar e ficar realmente vegetando e dando trabalho ao meu pai..Entendi exatamente o que você sentiu porque é um lugar onde eu já estive e sinceramente, não sei se terei coragem de algum dia passar do ponto em que eu seguro e olho para os remédios. Só me resta esperar e pedir à alguém ou alguma coisa, que mude tudo isso...

menina disse...

E dói tanto ver alguém sentindo o mesmo que eu sinto. De verdade. Estar infeliz consigo mesma, desconfortável debaixo da própria pele, é algo não desejo a ninguém.
O pior é ser como você, que os pais nunca suspeitariam de um suicídio ou que se descobrissem, nunca entenderiam. Ninguém consegue me enxergar como eu sou de verdade e como eu me sinto. Ningupem entende meus motivos. Isso dá um sentimento de impotência tão grande que eu mal sei colocar em palavras. Depois de tantas semelhanças, tenho certeza que você sente o mesmo.

menina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.